Maní
4 min readMar 23, 2023

Armadilhas nas fronhas

abri os olhos às 6 da manhã de uma segunda,

faltavam duas horas para o despertador tocar e sabia que aquele sono faria falta ao longo do dia. Havia deixado uma brecha da janela aberta pro sol vir me acordar - uma tentativa de mudar de hábitos.

O dia amanheceu num tom acinzentado que é dos meus favoritos, o vento que entrava era fresco e o som era de uma cidade despertando com preguiça

Ainda deitada na cama, meu corpo parecia levemente quente.

Me espreguicei sob os lençóis, ainda de olhos fechados, coloquei o rosto sob a fronha verde escura e foi quando o cheiro do travesseiro me capturou.

Fui pra um outro mundo, dentro do meu próprio quarto.

Digo isso porque não tem como explicar de outro jeito: um cheiro específico te atravessa ao meio, como uma flecha, é como se sua alma saísse por segundos, e não é possível resistir mais,

quando reabri os olhos o dia era outro.

A luz externa e levemente cinza deu lugar a um vermelho vivo do abajur, uma luz proposital, totalmente diferente do dia que pensei ter acordado - a iluminação mudou assim, rápida, como num lampejo, era noite e a lua lá fora estava cheia, viva.

Sob a nova luz, fui tomada por aquele cheiro que era uma mistura de Nina e eu naquela cama, o perfume dela, amaciante e fumaça.

Senti meu corpo esquentar mais, ergui a cabeça para me afastar daquele cheiro, mas o lampejo se mostrou insistente e bem mais forte que eu - como se estivesse de fora, vi a cena em que Nina apertou meu pescoço, me fazendo sair

de mim, dias atrás.

Fechei os olhos buscando alguma concentração , me dediquei a tarefa e falei comigo mesma naquele tom - em que preciso pegar minha própria mão e me levar pra vida:

Dora, foco. Você vai levantar, comer e ir treinar.

Comecei a movimentar meu corpo ainda na cama, tentando acordá-lo com alongamentos, mas como de costume, Nina deixava em mim seu cheiro e junto dele um pedaço de nosso tempo juntas, meu corpo lembrava e não tinha jeito. Minha pele insistiu em guardar marcas sutis das mordidas dela na minha coxa, passei meus dedos de leve nos pontos vermelhos, meu corpo tremeu como num pedido sufocado pra que aquela mulher me mordesse mais.

A luz fraca do dia recente entrava pela janela iluminando de forma sutil o quarto pequeno, olhei os quadros na estante atrás da cama, enquanto passava as mãos pelo meu corpo somente com a ponta dos dedos, sentindo a pele arrepiar de leve

O cheiro da cama agora lambia minha pele e meus lábios estavam quentes,

Fechei os olhos e senti minha boca encher d'água - o cheiro me fazia lembrar o gosto dela e a forma como Nina buscava minha boca com avidez - de todas as formas possíveis.

Olhava para os quadros compondo o quarto e não conseguia não vê-la na minha cama com as mãos apoiadas na estante, de costas pra mim gemendo baixo, tentando abafar os sons contra o travesseiro que guardou o cheiro dela pra mim, retomando um pacto que fizemos.

De olhos fechados, lembrava exatamente o jeito como Nina abre os olhos e me procura - porque gosta da cara que faço quando estou fodendo ela.

A luz vermelha sob uma mulher que se derrama na cama e meus dedos encontram,

deixo escapar um gemido, a vejo sorrir e abrir os olhos porque sabe bem do meu desejo.

Ela pintou em mim um quadro, que tinha a luz vermelha tocando o corpo dela deixando sombras vermelhas lindas nas dobras nas laterais da barriga, os peitos dela subindo e descendo com a respiração

Nina deitada sob a cama e no fundo meus quadros compondo a cena,

de dias em que me demorei beijando as coxas grossas dela, que suspirava forte

Meus lábios encontraram os dela e Nina gemeu abafado, apertou os dedos entre meus cabelos -

Na minha cama as 6 da manhã me revirei já com as coxas úmidas e na boca a memória do gosto dela,

minha respiração descompensada,

passei a mão pelo meu pescoço ainda com a marca leve da mão dela - não conseguia me esquecer disso e minha carne lembrava a cada momento

Um transe desmedido na cama com o sol ainda dormente

Meu corpo por outro lado estava aceso e queimando, como se Nina ainda estivesse na minha cama, a lua no céu e os quadros tingidos de vermelho pra presenciar a forma como ela me fode com a outra mão fechada sob meu pescoço,

Me via de fora da cena, no dia mesmo, era impossível manter os olhos abertos - o único sentido que meu corpo guarda envolve os dedos dela atravessando minha carne em todas as dimensões.

A luz vermelha do quarto e minha pernas fracas, meu corpo úmido e quente dado nas mãos dela,

fazendo pulsar o meu sangue,

as mãos dessa mulher deixam marcas que não saem com o tempo,

Daquelas marcas que ainda quando saem da pele, passam pra cama, paredes,

Marcas que ficam na carne e eventualmente te acordam, marcas tem a própria vida e para quem as tem, resta lembrar.

Maní

Escrevo para não morrer e acabo vivendo mais do que o planejado.