Maní
2 min readMay 9, 2022

luz azul

Era uma terça feira quando sentei sozinha na minha mesa de pedra favorita no jardim da faculdade — aquela que fica debaixo de uma árvore enorme ao lado do melhor banco para ir pensar-

Era horário de aula então poucas pessoas passavam pelo pátio.

A atmosfera do dia era convidativa a viver

O céu estava azul puro

e eu observei as nuvens enquanto soprava meu café

devagar

não estava com pressa.

O silêncio dificilmente consegue se acomodar.

Definitivamente não se explica minha avidez por perguntas

não explico, sou apenas atravessada por questionamentos

autorais

desestruturastes:

-Dá pra se esquecer como era amar alguém?

-Não.

Respondi a mim mesma sem muita certeza,

tenho sede para responder a perguntas

minhas e do mundo.

A terça feira estava por um fio e decidi voltar para casa

andei sozinha na avenida

ela estava sozinha também

o sol se pondo como quem tenta me lembrar de algo.

A pergunta martelava na minha cabeça e pôr do sol nenhum seria capaz de mudar isso:

faço perguntas e viajo no tempo.

De repente era fevereiro de novo

e eu estava pegando a estrada para passar um final de semana num apartamento sem energia

me lembro das velas acesas

Sozinhas num apartamento sem energia

eu e a mulher que um dia conheceu intimamente

os sinais do meu corpo

e na ocasião me fez cravar as unhas no sofá de veludo verde

deixando derramar

a mim.

Me lembro das velas acesas e da pele quente da mulher

ela tinha uma pequena cicatriz perto da sobrancelha.

que me lembro de amar

também.

Voltei para terça-feira

abri o portão e entrei em casa arrancando as roupas

balançando a cabeça tentando espantar a luz das velas.

No meu quarto acendi o abajur

e a luz azul foi quem apareceu

Tive que rir da piada de mal gosto da vida

o fato é que a mulher das velas odiava a luz azul

e eu era capaz de me lembrar até da voz dela, protestando, todas as vezes em que escolhi o azul no meu pequeno controle remoto.

Na época, um passado que parece ser mais distante do que de fato é, eu ria

porque amava o jeito como ela se importava com a cor que tomaria nossa madrugada.

Frequentemente escolho a luz azul

muito porque gosto

um pouco por vingança

e definitivamente, porque não esqueço amor mas aprendi a deixá-lo

apagado.

Maní

Escrevo para não morrer e acabo vivendo mais do que o planejado.