luz azul
Era uma terça feira quando sentei sozinha na minha mesa de pedra favorita no jardim da faculdade — aquela que fica debaixo de uma árvore enorme ao lado do melhor banco para ir pensar-
Era horário de aula então poucas pessoas passavam pelo pátio.
A atmosfera do dia era convidativa a viver
O céu estava azul puro
e eu observei as nuvens enquanto soprava meu café
devagar
não estava com pressa.
O silêncio dificilmente consegue se acomodar.
Definitivamente não se explica minha avidez por perguntas
não explico, sou apenas atravessada por questionamentos
autorais
desestruturastes:
-Dá pra se esquecer como era amar alguém?
-Não.
Respondi a mim mesma sem muita certeza,
tenho sede para responder a perguntas
minhas e do mundo.
A terça feira estava por um fio e decidi voltar para casa
andei sozinha na avenida
ela estava sozinha também
o sol se pondo como quem tenta me lembrar de algo.
A pergunta martelava na minha cabeça e pôr do sol nenhum seria capaz de mudar isso:
faço perguntas e viajo no tempo.
De repente era fevereiro de novo
e eu estava pegando a estrada para passar um final de semana num apartamento sem energia
me lembro das velas acesas
Sozinhas num apartamento sem energia
eu e a mulher que um dia conheceu intimamente
os sinais do meu corpo
e na ocasião me fez cravar as unhas no sofá de veludo verde
deixando derramar
a mim.
Me lembro das velas acesas e da pele quente da mulher
ela tinha uma pequena cicatriz perto da sobrancelha.
que me lembro de amar
também.
Voltei para terça-feira
abri o portão e entrei em casa arrancando as roupas
balançando a cabeça tentando espantar a luz das velas.
No meu quarto acendi o abajur
e a luz azul foi quem apareceu
Tive que rir da piada de mal gosto da vida
o fato é que a mulher das velas odiava a luz azul
e eu era capaz de me lembrar até da voz dela, protestando, todas as vezes em que escolhi o azul no meu pequeno controle remoto.
Na época, um passado que parece ser mais distante do que de fato é, eu ria
porque amava o jeito como ela se importava com a cor que tomaria nossa madrugada.
Frequentemente escolho a luz azul
muito porque gosto
um pouco por vingança
e definitivamente, porque não esqueço amor mas aprendi a deixá-lo
apagado.